Tornar-se uma “pessoa canina”

Por Renata Tweedy, StubbyDog.org

Era claro e simples: eu era uma pessoa de gatos. Tive dois gatos e acolhi mais 50, mas nunca adoptei, pois tinha a forte convicção de que cada gato adotado significava um espaço para mais um.

Em adulto, nunca me passou pela cabeça ter um cão. Os cães eram simpáticos, claro. Não tinha medo deles e gostava de estar perto deles. Mas a ideia de suportar o pelo molhado e malcheiroso e a sua necessidade de exercício, mesmo com mau tempo, não me interessava nem um pouco. Além disso, não queria sequer pensar em ter de programar o meu tempo em função da capacidade da bexiga de um cão.

Vaca tenta fugir do matadouro. Agradeça a Deus pelo que acontece a seguir 😳

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Mas quando comecei a trabalhar no nosso abrigo de animais local, fui mordida não por um cão, mas pelo amor pelos cães. O meu marido e eu apanhámos o bichinho e começámos a acolher todos os que podíamos.

Levava os cães do trabalho para casa todas as noites, aprendendo o máximo que podia sobre eles para estar mais bem equipada para ajudar os potenciais adoptantes a encontrar o seu par. No entanto, nunca pensei em adotar um cão até conhecer um Pit Bull chamado “The Governor”. Ainda me lembro claramente do seu aspeto naquele dia, quando estava deitado no canil da área dos vadios, depois de o controlo animal o ter recolhido junto à autoestrada. Quase um ano depois, a imagem ainda é viva.

Basta dizer que o cão não ficou muito tempo no abrigo. Não era um dos nossos hóspedes habituais; o meu marido e eu geralmente levávamos para casa cães jovens, de longa duração e com muita energia, que precisavam de uma pausa do abrigo para aprendermos como eram realmente. Mas este era velho e cinzento, não estava castrado e ainda nem sequer era nosso, pois chegou a casa connosco antes de ter passado o tempo de o reclamar. Certamente que os seus donos iriam aparecer – um cão tão imponente merecia melhores acomodações temporárias do que um canil de cimento.

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Os seus donos nunca se manifestaram e, exceto para o visitar, ele nunca mais voltou ao abrigo.

Papá, o Coração Gentil

Quando as pessoas souberam que ele era um Pit Bull e viram a sua estrutura volumosa, muitas ficaram aterrorizadas… até o verem mexer-se. O seu focinho grisalho não era a única coisa que o identificava como uma alma idosa e não ameaçadora – ele também não tinha muitos dentes.

Tornou-se “Daddy”, não por causa do famoso Pit do Dog Whisperer, mas devido ao seu comportamento na primeira vez que a sua nova casa foi invadida por gatinhos órfãos. Nunca me esquecerei de ver o papá a descansar calmamente na nossa cama, com os pequenos felinos a rastejar nas suas costas, a esparramar-se no seu nariz e a roer-lhe as orelhas, enquanto outro cão de acolhimento entrava no quarto, ansioso por brincar com – ou comer – as pequenas criaturas. O papá nem sequer levantou o rosto do edredão, mas os seus lábios tremeram, mostrando os dentes, e o seu rosnado baixo fez com que o outro cão saísse rapidamente do quarto.

Os dotes paternais do papá foram úteis em várias ocasiões. Quando a minha Pit Bull adotiva grávida teve oito lindos cachorrinhos, o meu marido e eu trouxemos os bebés para casa para os alimentar. Colocámo-los no chão da sala de estar e o papá limpava-os, aquecia-os, carregava-os e mantinha-os a salvo do nosso cãozinho irritante, o Cavil.

O papá da aventura

O papá mal conseguia andar em alguns dias, mas sabia nadar. A nossa propriedade fica junto ao oceano e, embora tivesse dificuldade em lá chegar, quando chegávamos à costa esquecia-se quase por completo das suas articulações e ancas doridas. Mergulhou na água como um cachorro – uma visão tão bonita.

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O papá e o cão adotivo Smokey dão um mergulho.

O papá adorava o carro e viajava frequentemente connosco. A sua idade, o seu ritmo lento, a sua pouca energia e a sua forma de pôr os outros cães à vontade faziam dele um convidado bem-vindo em lares amigos dos caninos. Também ia comigo a reuniões de direção e, de vez em quando, ia trabalhar com o meu marido. Em eventos ao ar livre, estava sempre a reboque e adorava especialmente um churrasco. Era também um ótimo complemento para as apresentações do abrigo e de outro abrigo de animais com o qual trabalhei, ensinando os adultos sobre o preconceito e as crianças sobre a segurança dos cães.

Outra imagem que ficará para sempre comigo é a de um campo de férias de verão: a nossa apresentação estava prestes a terminar e, enquanto eu dizia aos miúdos que aglomerar um cão nunca é uma boa ideia e pode ser muito perigoso, desta vez o papá ficou feliz por se despedir de todos ao mesmo tempo. Cerca de 20 pequenos corpos juntaram-se à volta, dando palmadinhas e arranhando, enquanto o papá ficou no meio de tudo, abanando a cauda e lambendo as caras mais próximas.

No entanto, os meus momentos preferidos com o papá eram quando ele arrastava o seu velho corpo para o sofá ou para a cama e desmaiava com um suspiro, descansando a sua enorme cabeça no meu colo ou no meu ombro. Não me esqueço dos seus olhos.

A despedida

O fim chegou inesperadamente. Uma nova medicação fê-lo praticamente empinar, e teve vários dias deliciosos de natação e diversão no final desse verão. Depois, um dia, voltou a acordar como antes, lento e vacilante. A caminho de casa, depois da sua última natação, deitou-se e nunca mais se levantou. Já não conseguia pôr-se de pé nem andar.

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Eu tinha visto o filme Marley & Me muitos meses antes, sozinho com o papá. Quando a personagem principal fez uma pergunta importante ao velho cão do filme, pedi ao papá o mesmo favor, entre soluços – que me avisasse quando chegasse a hora. Nesse dia, voltei a perguntar-lhe e ele disse-me que sim.

Cavil junta-se ao papá no seu último dia.

Era um fim de semana de férias e o nosso veterinário não estava disponível. Fiquei muito agradecida por o papá não parecer estar a sofrer. Ainda comia, bebia e ia à casa de banho, por isso passámos os nossos últimos dias a mimá-lo e a levá-lo para o relvado para desfrutar do bom tempo. Outra imagem que tenho a felicidade de ter filmado: o nosso cachorrinho, Cavil, que já não era bem um cachorrinho, tinha sido uma peste para o papá todos os dias desde que nasceu. Mas, quando o papá começou a ficar deprimido, o comportamento de Cavil mudou: tornou-se atento e amável. Trazia coisas para o cobertor do papá e deitava-se com ele. No último dia completo do papá na Terra, Cavil juntou-se a ele no relvado coberto de sol.

A última imagem que vou recordar para sempre é a do papá quando me despedi dele. O veterinário e a equipa foram muito atenciosos e respeitadores. Conheciam-no e conheciam-me. Se não tivesse sido tão terrivelmente desolador, ter-lhe-ia chamado bonito. A forma como o papá estava ali, e depois desapareceu. Nem sequer um suspiro. A forma como a veterinária encostou a testa ao pelo macio do papá durante um longo momento. A forma como ele ainda estava quente quando o beijei… antes de deixar a sua concha para trás.

Sim, acho que agora sou uma pessoa que gosta de cães.

Este artigo foi publicado pela primeira vez em StubbyDog.org

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